segunda-feira, 8 de julho de 2013

Mais Fausto

Entrevista também encontrada no O LOBO. Dedicado à amiga Van, também aniversariante de hoje!

Eu sou meus personagens - Entrevista de Fausto Wolff

Literatura, diploma para jornalistas, televisão, Pasquim, eleições, e muito mais, na perspectiva de Fausto Wolff.

Escrito por Cristiano Ramos e Diogo Monteiro
 
Listado por uma legião de críticos como autor de um clássico contemporâneo da literatura brasileira, À Mão Esquerda, Fausto Wolff continua desconhecido do grande público. Mesmo tendo militado em jornais e revistas de destaque, como Manchete, O Cruzeiro, Pasquim e Jornal do Brasil - além de passagens pela TV e duas tentativas frustradas de se eleger deputado federal. Gaúcho de quase dois metros de altura, mas figura carimbada da boêmia carioca; fala seis línguas, roteirista e ator principal de um longa-metragem dinamarquês, tradutor de Saroyan e Cortázar; apenas a fama etílica ele faz questão de afirmar que não mais se justifica. O que deve ser verdade, já que o primeiro contato para marcar a conversa foi transferido de uma tardinha para às 7 da matina do dia seguinte, a pedido do entrevistado. De vícios, apenas o jóquei, na esperança de “levantar algum dinheiro nas patas dos cavalos!”. Atualmente, é um dos editores do Pasquim21 e está trabalhando no roteiro de um dos seus contos, A Puta, a ser dirigido por Nelson Pereira dos Santos. Espera publicar em 2004 sua obra literária de maior peso - As 1001 Noites de Fausto Wolff e um livro de poemas - Gaiteiro Velho.

Que Deus é esse tão presente nos seus escritos? Qual o espaço que Ele ocupa na vida do autor?
Deus, como se sabe, desde que o roubaram dos pobres e o trancaram nos mais diversos palácios das mais diversas religiões, tornou-se um sócio do mercado. Deus está presente em nossas vidas todos os dias - uma tradição pesada demais para ser descartada. Como a vida, para a maioria, se resume em vaidade e autopiedade, qualquer dor de dente nossa - ocasião em que apelamos para Ele - é muito mais importante do que a morte de centenas de milhares de crianças no Iraque. Jamais me preocupei muito com a existência de Deus, pois a sua existência, ou sua não-existência, não muda nada. E se Deus existe, certamente não está preocupado com meus pecadinhos. Eu talvez venha a pedir explicação dos seus pecados.

No seu livro O Nome de Deus, o narrador afirma que houve um tempo em que acreditou na viabilidade do ser humano. O autor também perdeu essa crença?
Existe uma minoria no mundo - ricos, poderosos e anônimos - e mais seus palhaços, os políticos, que lutam contra a evolução humana. Daí a vulgarização da arte, a cultura não experimentada, a alienação. Deus . sempre que ele exista - deu ao homem um jogo maravilhoso, um enigma que, se decifrado, o colocaria na categoria dos deuses que Ele mesmo inventou. Os homens, porém, em vez de aprenderem o jogo, resolveram lutar com as peças e usá-las como armas; resolveram fazer do lucro, e não da felicidade, o fim que dá significado às nossas vidas. O narrador citado foi construído psicologicamente para pensar daquela forma. Creio na viabilidade do homem desde que o poder lhe dê uma chance, mas isso terá de acontecer já, agora, antes do fim do mundo. No século 19, com H.G.Wells, Maupassant, Proust, Dostoievski, Lima Barreto (para não deixar um brasileiro de fora), Tolstoi, o homem era bem mais viável.

Num país de iletrados, a literatura é capaz de promover mudanças reais? Ou você está pregando no deserto?
Não acredito, pois as forças que lutam contra essas mudanças são muito poderosas. Por outro lado, o que sabemos de verdadeiro na História do Mundo foi contado por artistas, e não por militares. Vivemos num tempo em que tanto a religião como a imprensa tornaram-se sócias do poder, e o importante é fazer dinheiro. E para isso é preciso manter o público na ignorância. Desesperado, ele volta-se para os duendes, os diabos, o Paulo Coelho (que não tem culpa dessa idiotia), o tarot, a astrologia, o i ching. Não posso dizer que prego no deserto, pois está surgindo uma nova geração de leitores que se apercebeu da patifaria, da fraude e da mentira com que a alimentam desde o berço. Esta garotada vai ler Marx e perguntará, como uma vez Engels perguntou para a mãe, depois de passar um tempo na fábrica do pai vendo os operários, crianças inclusive, trabalharem 16 horas diárias: Não poderia ser diferente?

Não fica mais difícil a tarefa, quando se escreve para uma minoria crítica, negando-se a dar entrevistas para grandes meios? Os intelectuais do país falam para as massas ou para as elites?
Jamais pretendi conscientizar ninguém, politicamente, através da literatura. Isso eu tento fazer através do meu jornalismo que, como todos sabem, é panfletário. Realmente, como todo sujeito que bebe muito, sou tímido e não gosto de dar entrevistas mas, como escritor, não fujo da imprensa. Preciso dela para vender meus livros. A diferença entre Rubem Fonseca e eu, à parte o fato de ele escrever melhor, é que ele foge da imprensa e a imprensa foge de mim. Quanto aos intelectuais escreverem para a elite, acho muito engraçado, quando vejo atores assassinando Brecht no palco para meia dúzia de pessoas, num espetáculo patrocinado, e aparecerem ao mesmo tempo na TV, fazendo propaganda do produto de alguma transnacional. Os atores emburreceram muito da minha época para cá, mas os que mostram a carinha nas novelas e dizem “Oi, Bicho!” - estão ricos.

A geração Pasquim costuma se orgulhar de ter revolucionado a linguagem jornalística nacional. A imprensa, hoje, não sofre dos mesmos vícios de antigamente? Há um vestígio de megalomania nessas afirmações ou a maioria dos seus leitores ficou nos porões da ditadura?
Com o Pasquim ocorreu um fenômeno interessante. Em 1969, os melhores jornalistas do Brasil eram de esquerda (havia esquerda naquela época) e belos seres humanos. Nenhum deles escrevia segundo os manuais de redação que tratam leitores como zumbis. Escrevíamos como falávamos e como tínhamos o que dizer - mais coragem - o sucesso foi imediato. Os leitores do Pasquim envelheceram com a gente. Os militares ficaram 30 anos no poder, o que, com auxílio da televisão, foi suficiente para imbecilizar a maioria da nação. Natural, portanto, que os filhos dos leitores fossem alienados, mas os netos gostam da gente.

Você foi candidato duas vezes a deputado federal. Pretende voltar a disputar um cargo político?
Eu era bem mais jovem e queria palpitar na Constituinte. Deveria ter desconfiado. O Globo informou que eu seria um dos candidatos mais votados no Brasil, segundo sua pesquisa. Fiz a campanha com um automóvel emprestado, minha única faixa, paga por amigos, foi confiscada pelo TER e, como não paguei os contadores de votos, fui vergonhosamente roubado. Não tenho dúvidas de que se fosse eleito, abriria o meu caminho a tapa, na Câmara, e o Brasil não seria esta colônia descarada que é hoje. Se vocês conseguirem 50 mil dólares para santinhos, faixas, transporte - dinheiro limpo e não-lavado - eu me elejo. Vai ser bom ter um salário decente para variar. Quem sabe, consigo juntar algum e comprar um apartamentinho e um carro para minha mulher dirigir porque eu não sei.

Quando começou À Mão Esquerda, você estava decidido a escrever o melhor romance da literatura brasileira. Hoje, o que você acha do livro concluído?
Estou emocionalmente envolvido com o livro, pois, como tudo que escrevo, ele é parcialmente biográfico. Eu sou meus personagens e acredito que - em termos de literatura - ou o livro é o autor ou não vale nada. O escritor, como não pode fazer outra coisa, quer transformar o mundo. Sabe que não conseguirá; sabe que, por mais que tente, não conseguirá denunciar, em toda a sua sordidez, a realidade que insiste em encobrir a verdade. Não gosto de concursos e nem de unanimidades. Para mim, o livro é excelente. Gostei do que escrevi. Gosto do que faço e poucas pessoas podem dizer o mesmo.

À Mão Esquerda foi apontado por diversos críticos como um dos livros mais importantes de sua geração. No entanto, você continua sendo um autor pouco lido. Como é ser um clássico desconhecido?
Há toda uma política editorial de distribuição para saber quem vende e quem não vende. O meu negócio não é vender (em termos, é claro), mas ser lido. Admiro muito o Chico Buarque - acho Apesar de Você a Marselleise da resistência à ditadura militar - mas não entendo como pode vender 50 mil livros numa semana. Será que meus leitores são todos cultos e pobres? Serão verdadeiros os números das editoras? Perdoem, mas querer ser livre é poder dizer não. Não acredito, estão me “engrupindo”. E o escritor merece um respeito que a mídia não lhe dá. Quanto à pergunta “É muito triste ser um clássico desconhecido”? É, principalmente, quando falta dinheiro para pagar o aluguel.

Você iniciou no jornalismo muito cedo, aprendendo no dia-a-dia da redação. Acredita que a imprensa no Brasil melhorou, após a obrigatoriedade do diploma?
O diploma só deveria ser exigido para quem tem responsabilidades sobre a vida humana: médicos, químicos, físicos, engenheiros. O resto é ridículo. Daqui a pouco exigirão diplomas para músicos, pintores, poetas, escritores. Além do futebol e da música, o jornalismo era uma das poucas profissões acessíveis a um filho do proletariado. Se houvesse exigência de diploma, eu não poderia ser jornalista, pois só pude estudar até a segunda série ginasial. Aliás, nem eu, nem o Jaguar, o Millôr, o Paulo Francis... Hoje, qualquer idiota, que não serve para nada, se forma em jornalismo, e a imprensa é esta que vocês têm aí. Vou responder da seguinte maneira: o diploma ajuda o candidato a jornalista, mas a obrigatoriedade é ridícula e cruel, pois parte do princípio de que só é capaz quem se formou nessas máquinas de ganhar dinheiro e excluir o povo. Einstein não se formou em nada, e o inventor do alfabeto era analfabeto.

Há uma corrente de programas jornalísticos que investem na exibição hiper-realista das mazelas sociais. Trata-se de denúncia social ou exploração da miséria?
Jamais gostei do Chacrinha e nem de ninguém que vendesse ilusões. No caso do Chacrinha, o melhor dos animadores, os calouros passavam semanas inteiras ensaiando para viver o momento mais importante de suas vidas e eram gongados, ridicularizados, humilhados, como se alguém, que tivesse acesso à televisão, fosse um Deus. Esses programas nojentos, que dão possibilidade a pessoas imbecilizadas, tristes, pobres, descrentes, de anunciarem seus dramas - “Meu pai quis me comer”, ”Meu irmão é veado e feliz”, ”A amante da minha mãe é minha amiga” - demonstram apenas que o sistema depois de bestializar o povo ainda fatura em cima dele.

Qual a solução para a qualidade da programação televisiva: controle governamental, auto-censura ou a censura do controleremoto?
É difícil responder a esta pergunta porque quase todos os caciques políticos e econômicos são donos de um canal, quando não, de uma rede de televisão. Isso faz com que os grandes criminosos (os que fizeram a ditadura e mais Collor, FHC e Lula) não estejam interessados em qualquer mudança de qualidade. Se falarmos em termos de Constituição (esta colcha de remendos podres que ninguém respeita), ela impõe: a televisão é uma concessão governamental e, conseqüentemente, digo eu, uma concessão do povo. Depois de 30 anos de ditadura oficial e quase 20 anos de ditadura branca, o povo sabe o que quer ver?

Temas como violência, miséria e crueldade têm sido encampados por diversos autores. Você acha que, também na literatura, o momento atual exige esse apego à realidade?
O escritor só precisa de um lápis, ou uma caneta, ou uma máquina de escrever, ou um computador. A partir daí o mundo é dele. Se o que ele fizer humanizará as pessoas ou as tornará ainda mais imbecis, o problema nem é dele, mas do mercado que o utiliza. Joyce e Proust, na minha opinião, são os maiores escritores do século passado . Kafka entra nesta . mas se você não tiver leitores para entendê-los, alguma coisa deu errada no mundo, e não foi com eles.

Você já disse que não tinha publicado seus poemas por considerar que tinham vida própria, eram dados a um amigo ou a uma mulher. O que o fez mudar de idéia e pô-los em livro?
A insistência de amigos, a resposta positiva dos leitores - meu primeiro livro de poemas ganhou o prêmio popular da Feira de Livros de Porto Alegre - e, finalmente, o fato de haver romances de 12 mil páginas que só se podem escrever num poema de quatro linhas.

Nejar e Scliar já estão na Academia Brasileira de Letras. Como você responderia a um improvável convite para ingressar na ABL? O Rio Grande do Sul poderia contar com mais um acadêmico? Veríssimo já disse que não combina com ele...
Se ela não combina com o Veríssimo, imaginem comigo. A ABL representa todos os falsos valores burgueses, é a arte da condescendência, do paternalismo, a arte do sim. Basta ver alguns nomes que compõem aquela casa para verificar que caráter não é exatamente o que comanda suas escolhas. Mário Quintana perdeu para Eduardo Portella e depois para Niskier. Não me convidarão, e se me convidassem, eu não aceitaria.

Numa entrevista você cita, como autores contemporâneos, o Rubem Fonseca, Luiz Fernando Veríssimo, Carlos Heitor Cony, Millôr Fernandes... Não há ninguém com menos de 60 anos fazendo boa literatura no Brasil?
Vou te contar um segredo. Como comecei na imprensa aos 14 anos, menti minha idade, pois temia que me despedissem. Quando fui cobrir a guerra no Canal de Suez, tive de mentir a idade novamente. A mesma coisa ocorreu na Manchete, e posteriormente no O Cruzeiro. Aos 28 anos, no Rio, dei uma grande festa para comemorar meus 40 anos, imaginem. Por isso meus amigos são muito mais velhos do que eu e conheço pouco a literatura dos mais jovens, com algumas exceções. Meus heróis continuam sendo Millôr, Joel Silveira, Fernando Sabino, Veríssimo, Fonseca, Manoel de Barros, Moacir Werneck de Castro, Jânio de Freitas, Ferreira Gullar, Ariano Suassuna, Carlos Heitor Cony, Aldir Blanc e alguns poucos outros. Admiro, porém , alguns jovens como Luiz Horácio, Marcelo Backes, André Seffrin, Cassas, Espinheira, Sonia Rodrigues, Anna Fortuna, Oldemar Olsen, os Irmãos Caruso, Marcelo Benvenutti, o Nani, cartunista que se revelou um excelente romancista policial e muitos outros.

Esta entrevista foi publicada pela Revista Continente, de Pernambuco. Não há indicação de data, mas é de supor que tenha sido feita em 2003.

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