sexta-feira, 25 de junho de 2010

Construções

Trecho do livro "Um, nenhum, cem mil" de Luigi Pirandello (tradução de Maurício Santana Dias, edição da Cosacnaify):

     (...) O homem também toma a si mesmo como matéria e se constrói, sim, senhores, como uma casa.
     Vocês acreditam que podem conhecer a si mesmos sem se construírem de algum modo? E que eu possa conhecê-los sem construí-los um pouco a meu modo? E vocês a mim, sem me construírem a seu modo? Podemos conhecer apenas aquilo a que conseguimos dar forma. Mas que conhecimento é esse? Talves esta forma seja a coisa mesma? Sim, tanto para mim quanto para vocês; mas não a mesma para mim e para vocês. Tanto isso é verdade que eu não me reconheço na forma que vocês me dão, nem vocês, naquela que eu lhes dou. Além disso, a mesma coisa não é igual para todos e, mesmo para cada um de nós, pode mudar continuamente - e de fato muda sem cessar.
     E no entanto não há outra realidade fora desta, senão na forma momentânea que conseguimos dar a nós mesmos, aos outros, às coisas. A realidade que tenho para vocês está na forma que vocês me dão; mas é realidade para vocês, não para mim. A realidade que vocês têm para mim está na forma que eu lhes dou; mas é realidade para mim, não para vocês. E, para mim mesmo, não tenho outra realidade senão na forma que consigo me dar. Como assim? Construindo-me.
     Ah, vocês acham que só se constroem casas? Eu me construo e os construo continuamente, e vocês fazem o mesmo. E a construção dura enquanto o material dos nossos sentimentos não desmorona, quanto dura o cimento da nossa vontade. Por que vocês acham que se recomenda tanto a firmeza de vontade ou a constância nos sentimentos? Basta que esta vacile um pouco, ou que aquela se altere em um ponto e mude minimamente... e adeus nossa realidade! Subitamente nos damos conta de que tudo não passava de uma ilusão nossa.
     Portanto, firmeza de vontade. Constância nos sentimentos. Segurem-se forte, segurem-se forte para não dar esses mergulhos no vazio, para não ir de encontro a essas ingratas surpresas.
     (...)

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