Sonhar é Possível - Fausto Wolff
Quatro anos da morte do Fausto e seus textos parecem ter sido escritos hoje.
Pra celebrar o mestramigo Fausto, vai mais um texto dele, copiado lá dO Lobo.
Sonhar é Possível
Um sonho. Civilizado é o país que tem um governo decente.
Por decente entendo o que trata todos, mas principalmente os desvalidos, como filhos queridos. Com o dinheiro arrecadado por meio de impostos. os proveria de teto, terra, transporte, educação e saúde preventiva. Trataria melhor ainda os deficientes, criando situações nas quais eles pudessem ser úteis à coletividade.
Por decente entendo o que trata todos, mas principalmente os desvalidos, como filhos queridos. Com o dinheiro arrecadado por meio de impostos. os proveria de teto, terra, transporte, educação e saúde preventiva. Trataria melhor ainda os deficientes, criando situações nas quais eles pudessem ser úteis à coletividade.
Nesse governo utópico, as crianças aprenderiam desde cedo o sentido de honra, caráter, e o sentimento de amor à pátria, que não teria nada a ver com o radicalismo de Chauvin. Aprenderiam a manter uma relação amistosa com seu meio ambiente particular. Numa região de rios, aprenderiam a nadar; noutra, houvesse répteis, a lidar com eles. Aprenderiam o corpo humano e os primeiros socorros. Já no curso elementar, fariam testes vocacionais para se iniciarem no ofício para o qual parecessem mais aptos. Bem cedo, também, aprenderiam o valor da capacidade de julgar para não serem induzidos a comprar porcarias que não servem para nada. Lembram-se do bambolê? Aprenderiam que devem usar o dinheiro, e não serem usados por ele; que devem usar os objetos de consumo, e não adorá-los.
O sucesso de um homem não seria pautado por sua casa, seu automóvel, sua profissão ou lugar na sociedade, mas sim pelo caráter, retidão e espírito público.
Nesse governo, caso os pais não pudessem mais sustentar os filhos acima de 18 anos e esses quisessem entrar para a universidade, após alguns testes receberiam o dinheiro necessário para passarem por ela. Uma vez formados, devolveriam, por meio de impostos, o que haviam recebido do governo.
Não haveria televisão privada e a programação da TV estadual, municipal ou federal daria ênfase ao bom entretenimento e à discussão política. O povo decidiria a programação, e não o partido que eventualmente estivesse no poder. Nenhuma profissão seria considerada menor – guarda, mensageiro, chofer de ônibus, de trem e de táxi, trocadores, lixeiros, babás, operários – pois todos passariam por elas antes de ingressarem na universidade.
Para julgar o povo é preciso sentir na carne como ele vive. Se os que ganham mais decidirem comprar produtos estrangeiros mais caros, isso não lhes seria proibido, mas, para os demais, haveria o equivalente nacional de igual qualidade.
Nessa minha sociedade, as pessoas com mais de 60 anos se aposentariam quando quisessem e haveria um imenso programa de trabalho para elas de acordo com sua capacidade. Os políticos seriam indicados aos partidos pelos moradores de cada região. Receberiam um bom salário, mas não poderiam ter outro emprego. Quem corrompesse ou se deixasse corromper iria para a cadeia e esta não seria uma vingança, representaria uma chance de o indivíduo se redimir. Cada presídio teria uma boa biblioteca e cursos técnicos. Todas as fábricas teriam creches e as maiores, praças de esportes para as crianças. As praças seriam clubes para os que não têm clubes.
Os bancos não poderiam cobrar mais que 12% de juros anuais. O cidadão que demonstrasse ter condições de pagar seu empréstimo não seria rejeitado. Os bancos teriam especialistas para ver se o dinheiro seria bem aplicado, para aconselhar quem quisesse plantar tomates num terreno propício a cenouras. Os bancos, enfim, usariam seu dinheiro para emprestar a quem precisa, e não para salvar da falência comerciantes corruptos.
As crianças aprenderiam que tudo que atenta contra a integridade da comunidade é crime. Pichar muros, roubar estátuas públicas etc. Quem danificasse a propriedade pública teria de trabalhar para recuperá-la.
Cada município colocaria na rua um número X de bicicletas facilmente reconhecíveis, pois fabricadas especialmente para isso. Essas bicicletas seriam do povo. Quem encontrasse uma desocupada subiria nela e se dirigiria ao seu destino. E a estacionaria no local indicado pelas autoridades do trânsito. Se, ao voltar, a encontrasse, continuaria com ela, caso contrário, tomaria qualquer meio de transporte público. Em cada parada de ônibus, trem ou barca, encontraria os horários e o descumprimento dos horários seria considerado transgressão legal.
As pequenas transgressões seriam julgadas por um juiz no mesmo dia. Se o réu não fosse absolvido, o juiz lhe daria um mês para que organizasse sua vida e depois se apresentasse para cumprir a pena.
Nenhuma cidade poderia ter mais de um milhão de habitantes. Famílias dedicadas ao cultivo da terra receberiam lotes do Estado e pagariam com parte da produção. Os pequenos proprietários formariam cooperativas e venderiam o produto do seu trabalho à prefeitura, que a revenderia ao mercado.
As drogas seriam legalizadas e revendidas em farmácias. Cada dependente receberia uma carteirinha que teria de apresentar. O tráfico seria banido. Na embalagem do produto, como já ocorre com os cigarros, uma bula explicaria os efeitos de cada droga.
A prostituição seria controlada e, uma vez estabelecido um quantum entre prostitutas e governo, elas pagariam imposto de renda e só poderiam exercer a profissão se tivessem outro trabalho paralelo.
Ao contrário do país e do estado, o município não é uma abstração. O governo central teria apenas função harmonizadora entre as diversas cidades. Um distrito só seria promovido a cidade se os cidadãos assim o quisessem e provassem que poderiam viver independentemente de qualquer ajuda. Os prefeitos não poderiam agir como se a cidade fosse uma propriedade sua que precisa ficar cada vez mais rica. Os prefeitos e os vereadores teriam de zelar apenas pelo bem da coletividade.
As transnacionais (sempre que delas houvesse necessidade) poderiam se instalar no país desde que cumprissem as leis locais. Quanto às estatais, poderiam ser parcialmente privadas, mas a maioria de ações seria sempre do Estado e a este caberia tutorar tudo.
Haveria um único laboratório farmacêutico estatal e apenas um produto, o mais eficiente, para cada doença. A medicina seria socializada e preventiva, mas nada impediria um médico de ter sua clínica particular.
O desemprego seria proibido, pois, se por qualquer razão um trabalhador fosse demitido, estaria sob a proteção do seu sindicato, que lhe pagaria metade do salário enquanto não encontrasse outra colocação para ele.
Ao contrário do que ocorre aqui, onde só grandes artistas recebem patrocínio particular, desde que não tenham mais de três atores no elenco, a empresa privada não teria de subvencionar nada. Teria, isso sim, de pagar seus impostos honestamente e em dia.
Uma comissão diria que tipo de arte poderia entrar no país. A arte imposta pelos meios de comunicação não teria ingresso. Haveria uma comissão para a entrada de filmes em cinemas e TV. Se fossem consideradas obras enriquecedoras do espírito humano, seriam exibidas. Se fossem porcarias que ensinam como matar, explodir, traficar, pagariam taxas bem maiores ou ficariam na fronteira. É claro que os americanos, quando fazem uma porcaria como Kill Bill, ao custo de quase US$ 1 bilhão, querem lucrar até mesmo com as crianças de Ruanda e de Bangladesh. Para que isso seja possível, é preciso que o mercado internacional se feche para os demais países. É por isso que os projetos de filmes desse meu país utópico passariam por uma comissão julgadora composta pelos diversos setores da sociedade. Caso fossem subvencionados, os produtores receberiam dinheiro para a produção e entregariam o equivalente em ingressos ao governo. Este, por sua vez, os distribuiria por 10% do preço nas fábricas, escolas e assim por diante. O mesmo aconteceria com as peças teatrais, espetáculos de ópera, balé etc.
Todo candidato a um posto eletivo deveria apresentar sua declaração de bens. Se ficasse provado que não precisava do salário não poderia se candidatar. Se, ao cumprir seu mandato, ao apresentar sua declaração de bens, o deputado, senador, vereador, tiver economizado mais do que seria humanamente possível economizar com seu salário, iria para a cadeia.
É claro que isto é uma utopia, mas outras já foram alcançadas. Caso contrário, ainda estaríamos em cima das árvores. A maioria das propostas não pode ser posta em prática imediatamente, pois precisamos reeducar o povo, devolver-lhe suas tradições e regenerar os políticos, os banqueiros, a polícia, a Justiça e a classe dominante em geral.
O sucesso de um homem não seria pautado por sua casa, seu automóvel, sua profissão ou lugar na sociedade, mas sim pelo caráter, retidão e espírito público.
Nesse governo, caso os pais não pudessem mais sustentar os filhos acima de 18 anos e esses quisessem entrar para a universidade, após alguns testes receberiam o dinheiro necessário para passarem por ela. Uma vez formados, devolveriam, por meio de impostos, o que haviam recebido do governo.
Não haveria televisão privada e a programação da TV estadual, municipal ou federal daria ênfase ao bom entretenimento e à discussão política. O povo decidiria a programação, e não o partido que eventualmente estivesse no poder. Nenhuma profissão seria considerada menor – guarda, mensageiro, chofer de ônibus, de trem e de táxi, trocadores, lixeiros, babás, operários – pois todos passariam por elas antes de ingressarem na universidade.
Para julgar o povo é preciso sentir na carne como ele vive. Se os que ganham mais decidirem comprar produtos estrangeiros mais caros, isso não lhes seria proibido, mas, para os demais, haveria o equivalente nacional de igual qualidade.
Nessa minha sociedade, as pessoas com mais de 60 anos se aposentariam quando quisessem e haveria um imenso programa de trabalho para elas de acordo com sua capacidade. Os políticos seriam indicados aos partidos pelos moradores de cada região. Receberiam um bom salário, mas não poderiam ter outro emprego. Quem corrompesse ou se deixasse corromper iria para a cadeia e esta não seria uma vingança, representaria uma chance de o indivíduo se redimir. Cada presídio teria uma boa biblioteca e cursos técnicos. Todas as fábricas teriam creches e as maiores, praças de esportes para as crianças. As praças seriam clubes para os que não têm clubes.
Os bancos não poderiam cobrar mais que 12% de juros anuais. O cidadão que demonstrasse ter condições de pagar seu empréstimo não seria rejeitado. Os bancos teriam especialistas para ver se o dinheiro seria bem aplicado, para aconselhar quem quisesse plantar tomates num terreno propício a cenouras. Os bancos, enfim, usariam seu dinheiro para emprestar a quem precisa, e não para salvar da falência comerciantes corruptos.
As crianças aprenderiam que tudo que atenta contra a integridade da comunidade é crime. Pichar muros, roubar estátuas públicas etc. Quem danificasse a propriedade pública teria de trabalhar para recuperá-la.
Cada município colocaria na rua um número X de bicicletas facilmente reconhecíveis, pois fabricadas especialmente para isso. Essas bicicletas seriam do povo. Quem encontrasse uma desocupada subiria nela e se dirigiria ao seu destino. E a estacionaria no local indicado pelas autoridades do trânsito. Se, ao voltar, a encontrasse, continuaria com ela, caso contrário, tomaria qualquer meio de transporte público. Em cada parada de ônibus, trem ou barca, encontraria os horários e o descumprimento dos horários seria considerado transgressão legal.
As pequenas transgressões seriam julgadas por um juiz no mesmo dia. Se o réu não fosse absolvido, o juiz lhe daria um mês para que organizasse sua vida e depois se apresentasse para cumprir a pena.
Nenhuma cidade poderia ter mais de um milhão de habitantes. Famílias dedicadas ao cultivo da terra receberiam lotes do Estado e pagariam com parte da produção. Os pequenos proprietários formariam cooperativas e venderiam o produto do seu trabalho à prefeitura, que a revenderia ao mercado.
As drogas seriam legalizadas e revendidas em farmácias. Cada dependente receberia uma carteirinha que teria de apresentar. O tráfico seria banido. Na embalagem do produto, como já ocorre com os cigarros, uma bula explicaria os efeitos de cada droga.
A prostituição seria controlada e, uma vez estabelecido um quantum entre prostitutas e governo, elas pagariam imposto de renda e só poderiam exercer a profissão se tivessem outro trabalho paralelo.
Ao contrário do país e do estado, o município não é uma abstração. O governo central teria apenas função harmonizadora entre as diversas cidades. Um distrito só seria promovido a cidade se os cidadãos assim o quisessem e provassem que poderiam viver independentemente de qualquer ajuda. Os prefeitos não poderiam agir como se a cidade fosse uma propriedade sua que precisa ficar cada vez mais rica. Os prefeitos e os vereadores teriam de zelar apenas pelo bem da coletividade.
As transnacionais (sempre que delas houvesse necessidade) poderiam se instalar no país desde que cumprissem as leis locais. Quanto às estatais, poderiam ser parcialmente privadas, mas a maioria de ações seria sempre do Estado e a este caberia tutorar tudo.
Haveria um único laboratório farmacêutico estatal e apenas um produto, o mais eficiente, para cada doença. A medicina seria socializada e preventiva, mas nada impediria um médico de ter sua clínica particular.
O desemprego seria proibido, pois, se por qualquer razão um trabalhador fosse demitido, estaria sob a proteção do seu sindicato, que lhe pagaria metade do salário enquanto não encontrasse outra colocação para ele.
Ao contrário do que ocorre aqui, onde só grandes artistas recebem patrocínio particular, desde que não tenham mais de três atores no elenco, a empresa privada não teria de subvencionar nada. Teria, isso sim, de pagar seus impostos honestamente e em dia.
Uma comissão diria que tipo de arte poderia entrar no país. A arte imposta pelos meios de comunicação não teria ingresso. Haveria uma comissão para a entrada de filmes em cinemas e TV. Se fossem consideradas obras enriquecedoras do espírito humano, seriam exibidas. Se fossem porcarias que ensinam como matar, explodir, traficar, pagariam taxas bem maiores ou ficariam na fronteira. É claro que os americanos, quando fazem uma porcaria como Kill Bill, ao custo de quase US$ 1 bilhão, querem lucrar até mesmo com as crianças de Ruanda e de Bangladesh. Para que isso seja possível, é preciso que o mercado internacional se feche para os demais países. É por isso que os projetos de filmes desse meu país utópico passariam por uma comissão julgadora composta pelos diversos setores da sociedade. Caso fossem subvencionados, os produtores receberiam dinheiro para a produção e entregariam o equivalente em ingressos ao governo. Este, por sua vez, os distribuiria por 10% do preço nas fábricas, escolas e assim por diante. O mesmo aconteceria com as peças teatrais, espetáculos de ópera, balé etc.
Todo candidato a um posto eletivo deveria apresentar sua declaração de bens. Se ficasse provado que não precisava do salário não poderia se candidatar. Se, ao cumprir seu mandato, ao apresentar sua declaração de bens, o deputado, senador, vereador, tiver economizado mais do que seria humanamente possível economizar com seu salário, iria para a cadeia.
É claro que isto é uma utopia, mas outras já foram alcançadas. Caso contrário, ainda estaríamos em cima das árvores. A maioria das propostas não pode ser posta em prática imediatamente, pois precisamos reeducar o povo, devolver-lhe suas tradições e regenerar os políticos, os banqueiros, a polícia, a Justiça e a classe dominante em geral.
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