sexta-feira, 16 de abril de 2010

O CÉREBRO DESDE ENTÃO SE FEZ DICOTÔMICO

A seguir, a parte II do capítulo 5 do livro “Miguel e os demônios – ou Nas delícias da desgraça”, do comparsa Lourenço Mutarelli:
“Osvaldo, dentro de um veículo no pátio de outra delegacia, resume a história da humanidade para um investigador.

— Quando o dedo polegar do pé se desenvolveu, o homem conseguiu se erguer. Essa aparentemente insignificante mudança alterou a pressão sanguínea do cérebro. As habilidades manuais, que já mereciam destaque entre os símios, tornaram-se ainda mais sofisticadas e precisas. A alteração da pressão intracraniana causou uma nova redistribuição na irrigação do cérebro, passando, assim, a iluminar regiões adormecidas dele. Esse órgão adquiriu um pregueado mais complexo, e à força disso o homem desenvolveu uma nova percepção do mundo a sua volta. O aperfeiçoamento das habilidades manuais em conjunto com as novas regiões iluminadas possibilitaram ao homem controlar o fogo. Ao se erguer e dessa forma poder caminhar, muito embora um filósofo tenha afirmado que o andar é apenas uma queda interrompida, o homem pôde se locomover com maior velocidade e percorrer distâncias cada vez maiores. Então, o homem se tornou nômade, e assim se manteve durante um longo período. E sabe por que o homem se tornou nômade?
— Nômade é aquele que não se fixa, né? Aquele que viaja e tal. Não é isso?
— Isso. E sabe por que o homem não se fixava?
— Porque podia andar?
— Não. O homem deixava tudo para trás porque não sabia lidar com os excrementos. Por essa razão, quando a situação se tornava insuportável, ele seguia adiante. Mas essa é outra história. De qualquer modo, é bem interessante. O homem era nômade para fugir do mau cheiro de seus excrementos.
— Já pensou?
— Muito bem, quando o homem errante descobre a possibilidade de cultivar o solo e de criar pequenos fossos para cuidar dessas questões sanitárias, ele se fixa. Uma vez fixado, agrupa-se. Em grupo, desenvolve a linguagem para transmitir o conhecimento de geração a geração. Buscando nomear todas as coisas, toda matéria e sensação, o homem formata seu cérebro. Entre o quente e o frio, o duro e o mole, Concordia discors, simpatia ou antipatia, bom ou mau, antitheta. Entre os contrários o homem modelou seu pensamento. Com base na dualidade, binário. O cérebro desde então se fez dicotômico. Binarius.”

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